Entretanto a vida continua perdida. A vida: um barco no meio de uma tempestade, mas sem saber ir ao sabor das ondas, fica ali: estanque, parado no meio do turbilhão. E as ondas batem e batem, quer virar, ir, sair do meio da agitação. Quer encontrar um porto de abrigo, mas tem a âncora agarrada pela violência do sufoco. Aquela tempestade mantém-no ali, não contra a sua vontade, mas porque quer. Não parte porque aquele mar é dele. Ele navegou-o, conhece os seus baixios, sabe onde a corrente é mais forte. Aquele mar soube-o levar. Deslizava pelas suas águas, quase voava, deixava-se ir na ondulação. Sentia o sabor do seu sal na sua proa. Foram feitos um para o outro: um barco no mar.
Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água ao amanhecer,
sabe a cal molhada, sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua, ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca, ao cair da noite sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.
Eugénio de Andrade
Um beijo minha querida
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